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O recalque no país da Maravilha

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Gésner Braga*

A apresentadora Mara Maravilha realmente deu um “show” no programa Morning Show, da Rede TV, no último dia 24. Um show de estupidez, de preconceito, de ignorância, de falta de lógica, de recalque e tudo mais que pode se esperar de qualquer pessoa de visão obtusa. Ou seja, nenhuma surpresa.

Durante o programa, ela participou de uma roda de conversa com mais cinco participantes, em que foi questionada sobre as ações do pastor Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, em especial a aprovação, no dia 18 de junho, do irracional PDC 234/2011, mais conhecido como “cura gay”.

Logo de cara, Maravilha revela o seu desconhecimento até mesmo de detalhes que são do seu maior interesse, a exemplo do nome do seu pastor ídolo a quem chama de Marcos Feliciano, ignorando que a grafia correta do primeiro nome do indivíduo não leva a letra “s” no final. O certo é MARCO!

Em seguida, a apresentadora afirma que está faltando democracia no país, quando defende a liberdade de opinião e expressão. “Você tem que respeitar o gay. Mas você também tem que respeitar a opinião de quem não pensa igual ao gay”, alega. O que ela (mais uma vez) desconhece é que a crítica que hoje se faz aos tratamentos de reversão da homossexualidade, ou seja, a tal “cura gay”, não é uma questão de opinião, muito menos uma opinião de gays. É uma questão objetiva sobre a qual não pairam dúvidas.

Explico: o PDC 234/2011, de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), vai na contramão de uma tendência que já se verificava há quatro décadas e de um entendimento consagrado mundialmente há 23 anos. Em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria tomou a iniciativa pioneira de desconsiderar a homossexualidade como doença, sendo seguida pela Associação Americana de Psicologia, em 1975. O cenário no Brasil é o mesmo desde 1985, quando o Conselho Federal de Psicologia adotou igual entendimento. Em 1999, a entidade publicou a Resolução n. 01 para declarar que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão” e que os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura da homossexualidade. Por fim, a medida definitiva foi tomada em 17 de maio de 1990, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID). Ah, gente, faça-me o favor! Tudo isso tá no Wikipedia.

Alguém precisa ainda esclarecer a Maravilha que, em 1991, a Anistia Internacional passou a considerar a discriminação contra homossexuais uma violação aos direitos humanos. Portanto, a ferrenha oposição que amplamente se faz à decisão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara não é afronta à opinião de ninguém, muito menos preconceito, como ela insiste em afirmar. É nada mais que a constatação da absoluta falta de sintonia e coerência entre os princípios basilares e norteadores daquela Comissão e a linha de condução do seu presidente e de grande parte dos seus membros, baseada em dogmas religiosos de cunho fundamentalista, próprios dos evangélicos que ali dominam a cena.

Ao defender a cura, inclusive do impossível, Maravilha entende a homossexualidade como doença, correto? Mas ela também a considera uma opção, uma escolha. Estou confuso… Então alguém pode escolher ficar doente? Ah, talvez a homossexualidade seja um vício. Que diferença faz? Defender a hipótese da “escolha” ou da “doença” é insistir na ignorância, pois homossexualidade não é nenhuma coisa nem outra. A homossexualidade é tão inerente ao ser humano quanto a heterossexualidade ou a bissexualidade, somente para citar as expressões da sexualidade mais conhecidas do entendimento geral.

E o recalque? Ah, o recalque, essa maldita atitude que nos leva à inveja. Maravilha expõe a sua sem cerimônia quando defende que demonstração de afeto homossexual é algo estranho, uma aberração. Mas não para por aí. Ela não admite nada que fira o seu (hoje!) pudor desmedido e dispara: “eu não acho bonito nem um homem e uma mulher em público ficarem se atracando”. E se a exposição tão excessiva aos olhos de Maravilha envolver celebridades, ela não tem dúvidas: é oportunismo. Em referência clara à cantora Daniela Mercury, ela critica: “eu vou dar um beijo na boca da minha companheira porque agora eu vou me promover também com essa causa”. Eu só não imaginava que um simples beijo poderia carregar tamanho significado.

Por fim, Maravilha faz a grande revelação da origem do seu recalque: “Eu não sou uma pessoa muito cantada”. Sim, nós compreendemos que a rejeição e a baixa autoestima fazem grandes estragos. Mas nós temos uma ótima notícia para você, Maravilha: a Resolução n. 01/99 do CFP não impede que psicólogos lhe ofereçam seus préstimos para que você busque entender as origens das suas angústias. Sexualidade reprimida pode ser uma delas.

* Gésner Braga é jornalista, ator e ativista LGBT.

 

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