Luiz Mott e Muricy mostram a tela com imagem do Mártir
Tibira do Maranhão: 1º Mártir da Homofobia no Brasil, 1613
Prof. Dr. Luiz Mott, Titular de Antropologia da Ufba – Prof. Sérgio Muricy, Mestre em História, Ufba
Seguindo a mesma sanha expansionista de Portugal e da Espanha, também a França tentou criar colônias próprias no Novo Mundo, primeiro a França Antártica, no Rio de Janeiro, nos meados do século XVI, em seguida no Maranhão, aí estabelecendo entre 1612-1615, a França Equinocial. Os franceses fundaram São Luís e firmaram tratado com os nativos Tupinambá, que se comprometeram em ser batizados, a seguir os ensinamentos dos missionários capuchinhos, a abandonarem a nudez e o canibalismo, tornando-se vassalos da realeza francesa. Dois importantes livros foram publicados então, de autoria de Frei Claude d’Abéville e Yves d’Évreux, ambos disponíveis na Biblioteca do Senado, descrevendo minuciosamente a nova conquista: a travessia do Oceano Atlantico, a natureza paradisíaca dos trópicos, seus rios e mares cheios de peixes, suas exuberantes florestas repletas de caça, plantas alimentícias, as diferentes tribos de nativos, seus costumes e cultura material. Os nativos eram chamados de selvagens e canibais. Foi logo nos primeiros contatos com as aldeias do interior que os missionários tiveram notícia da presença de um indígena “sodomita”, chamado de Tibira em língua tupi. Na visão teológica de então, a homossexualidade era considerada “o mais torpe, sujo e desonesto pecado, provocando a ira divina, que envia à terra terremotos, pestes, inundações e todo tipo de desgraças.” E para limpar a nova conquista desse abominável pecado, prenderam com correntes o infeliz Tibira, realizando um arremedo de julgamento em que os caciques das principais aldeias condenaram à morte o infeliz pecador. “Misericordiosos”, os frades ofereceram ao desafortunado sodomita a possibilidade de se tornar cristão minutos antes de sua execução. Logo em seguida, foi amarrado de pé na boca de um canhão, sendo estraçalhado com o estourar de um petardo. Como o bom ladrão crucificado ao lado de Cristo, diz o capuchinho que alma do Tibira foi conduzida diretamente para o Céu, já que o batismo lavou todos seus pecados.
O livro Tibira do Maranhão: 1º Mártir da Homofobia no Brasil, 1613 resgata e reconstrói essa dramática história do índio Tibira do Maranhão: na primeira parte situamos a fundação da França Equinocial no panorama das grandes navegações e quais foram as motivações e interesses do Rei, dos empresários e aventureiros na conquista do Novo Mundo. Em seguida levamos o leitor ao conhecimento da Ilha do Maranhão, transcrevendo deliciosas passagens dos livros dos citados capuchinhos, onde descrevem a natureza, a flora, fauna, os costumes tribais e o cotidiano na nova colônia. A terceira parte é dedicada à minuciosa descrição do julgamento e execução do Índio Tibira, discorrendo sobre os motivos que levaram os religiosos franceses a essa cruel execução.
Tal livro fruto é de rigorosa pesquisa histórica, baseado em sólida bibliografia nacional e internacional, porém escrito em linguagem acessível já que seu objetivo é ir além dos muros acadêmicos e ser lido também por público pré-universitário, pela população em geral e militantes dos direitos humanos, indígenas e comunidade LGBT. Completamente desconhecido até dez anos passados, quando graças a nossa pioneira iniciativa, o Governo do Maranhão edificou um monumento comemorativo no exato local onde Tibira foi executado, na orla de São Luís. Em dezembro de 2023 esse primeiro mártir da homofobia no Brasil foi incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, iniciativa das deputadas federais Célia Xakriabá e Erika Hilton. Razão mais que suficiente para que sua biografia seja publicada e seu heroísmo festejado.