Marcelo Cerqueira @marcelocerqueira.oficial
Coordenador das Política LGBT+ de Salvador, ativista do GGB.
A época do Natal é um período especial em que as pessoas geralmente ficam com o músculo duro do coração. É tanto “feliz Natal” que se ouve que algumas pessoas consideram irritante. O Natal é uma época de reunião, famílias se aproximarem para reflexão sobre as diversas formas de amor e solidariedade.
Para muita gente, entretanto, esse momento pode aflorar um turbilhão de emoções singulares e de grande complexidade, especialmente para quem faz parte da enorme, diversa e multifacetada comunidade LGBTQIAPN+. Esses sentimentos complexos estão relacionados à vivência cotidiana dentro do armário, com a porta trancada por dentro e segurando a chave. Hoje consigo relativizar o armário como, muitas vezes, um lugar seguro, mas também muito limitado.
A vivência nesse espaço, por anos seguidos, carrega a experiência de solidão, de não poder assumir a orientação sexual ou identidade de gênero por receio ou medo de que essa situação seja amplificada, gerando rejeição ou incompreensão familiar.
Para muitos, o Natal representa um momento de reencontro familiar. Contudo, para pessoas LGBT+ que ainda não podem viver de forma livre suas identidades em sua plenitude, essa ocasião pode se transformar em um espaço de muita tensão. O receio de ser julgado ou mesmo rejeitado faz com que, principalmente nas classes média e alta, muitos permaneçam em silêncio, suportem comentários e perguntas estapafúrdias sobre sua vida pessoal e vivam um papel social que não reflete sua verdadeira essência.
Perguntas de familiares aparentemente inofensivas sobre relacionamentos, expectativas de casamento ou filhos podem se transformar em um estopim de bomba, que pode explodir com estilhaços ou mesmo reforçar o sentimento de que o armário é um refúgio necessário, mas não desejável.
Uma outra parcela que requer observação delicada é um aspecto importante da vida das pessoas LGBT+ que, por normas sociais e diferentes motivos, vivem relacionamentos heteronormativos ou em extrema discrição, frequentando saunas ou sendo clientes de profissionais do sexo. Esses irmãos e irmãs, muitas vezes, são casados e têm filhos. Não pense que é fácil, porque é como andar no fio da navalha sem cortar os pés. Elas enfrentam dilemas internos absolutamente relevantes durante as festividades.
O Natal, com sua simbologia de partilha e verdade, constitui-se como a época mais atormentadora. Pode trazer à tona questionamentos sobre autenticidade, veracidade e, principalmente, felicidade. Mesmo com tudo isso, ainda assim, elas seguem como equilibristas andando rumo a preservar uma harmonia familiar e, de modo necessário, respeitar quem são de fato.
Nos dias atuais, não dá para ignorar que muitos gays, lésbicas e pessoas trans vivenciam a experiência da solidão, principalmente idosos, e experimentam isso de forma mais severa no período de Natal.
Para algumas pessoas LGBT+, essa solidão pode ser intensificada por laços familiares quebrados ou por não possuírem uma rede social ou por ela ser insuficiente. Enquanto muitos celebram, rindo, alegres com seus familiares, alguns passam o dia todo em silêncio ou relembrando as conexões que poderiam ter, mas que foram quebradas por força do preconceito.
Solidão não é exclusividade nossa. Gente de todas as orientações e identidades pode sentir-se isolada, especialmente nessas épocas, em uma sociedade que, junto com a indústria de consumo, vende o ideal de convivência familiar como algo inesquecível.
Então, já é Natal e também um convite à empatia. Para muitas pessoas LGBT+, apenas um gesto de aceitação, como “tudo bem com você?” ou talvez “seja bem-vindo, fique à vontade”, pode mudar tudo. Uma orientação para tios, tias ou entes distantes que vêm para a ceia: evitem perguntas que possam causar constrangimento. Com essa atitude, estarão ajudando a reconhecer a complexidade de cada história, evitando julgamentos e ajudando a promover ambientes seguros.
Afinal, o Natal pode ser, sim, um momento de celebração coletiva, mas também de um profundo olhar para dentro de si mesmo. Viva o Natal.