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Viado: Entre a Histórica LGBTfobia Estrutural e a Ressignificação Cultural

Foto Marcelo Cerqueira


Marcelo Cerqueira Coordenador das Políticas de Promoção da Cidadania da População LGBTQIAPN+ da Secretaria da Reparação/SEMUR/PMS. Presidente do GGB
A palavra “viado” tem uma história complexa e multifacetada no Brasil, carregada de significados que evoluíram ao longo das décadas. Seu uso, muitas vezes polêmico, reflete camadas profundas de relações sociais, culturais e estruturais que atravessam o país. Embora não exista uma data ou período específico que marque o início do uso do termo para se referir a homossexuais no Brasil, há indícios de que isso tenha ocorrido no início do século XX.
O professor doutor Luiz Mott, em um artigo publicado na revista Lado A há aproximadamente dez anos, apresentou nove hipóteses sobre a origem do uso da palavra “viado”. Ele sugere que o termo emergiu em diferentes contextos sociais e culturais, ganhando novas conotações ao longo do tempo. O uso popular da palavra “viado” no Brasil, hoje, é tão disseminado que ela é empregada como gíria em diversos cenários, desde conversas informais entre amigos até letras de música e shows.
Entre os homens gays, “viado” é frequentemente usado como uma forma de camaradagem, uma reconstrução simbólica que subverte o caráter pejorativo do termo. Nesse contexto, a palavra carrega uma certa cumplicidade, sendo empregada entre iguais. No entanto, quando utilizada por homens heterossexuais cisgêneros, mesmo em tom de brincadeira ou camaradagem, muitas vezes carrega consigo nuances de machismo e LGBTfobia estrutural. Há uma diminuição implícita da masculinidade do outro, refletindo estruturas de opressão que permanecem profundamente enraizadas na sociedade.
O cantor Alessandro Aragão, vocalista da banda A Chapa, traz um exemplo interessante dessa dinâmica ao iniciar shows com a frase: “Chegou a Chapa, viado! Esse paredão vai ficar um inferno, viado”. Embora a expressão seja empregada em um contexto de entusiasmo e energia, pode ser interpretada como uma apropriação cultural de uma gíria que não faz parte de seu universo. Nesse uso, a palavra é ressignificada como um ponto de exaltação e inclusão, ainda que carregue marcas de uma LGBTfobia estrutural subjacente.
Historicamente, o termo “viado” também está associado a representações culturais e comerciais. Algumas teorias apontam para referências a marcas de cigarro dos anos 1920 que estampavam a figura de um veado em suas embalagens, enquanto outras sugerem influências de personagens como Bambi, da Disney. Essas associações ajudaram a construir a simbologia em torno da palavra, que variava de elegante e bonito a pintoso e afeminado.
No dia a dia, o uso da palavra continua gerando debates. Muitos homens heterossexuais cis a utilizam para se referir a amigos, considerando-a uma gíria ou um termo de carinho. Entretanto, para os ouvidos de muitos gays, a palavra, quando dita por alguém fora do circuito de amizades, soa como um insulto, mesmo que em tom de brincadeira. Isso demonstra o quanto o significado de “viado” é permeado por relações de poder e identidade.
É preciso considerar que o limite entre o carinhoso e o ofensivo está frequentemente associado ao contexto e ao grau de intimidade entre as partes envolvidas. Como relatou um depoimento, “Acho que tem a ver com o grau de amizade. Às vezes se excede e acaba sendo algo homofóbico. O limite da brincadeira acaba cedendo.” Isso evidencia como o uso do termo ainda carrega ambiguidades e reflete aspectos da LGBTfobia estrutural, mesmo quando ocorre em contextos aparentemente inofensivos.
Por fim, vivemos em uma época de transformações, em que discursos e práticas culturais passam por ressignificações. Mesmo que a palavra “viado” traga à tona as marcas de uma história de preconceito, seu uso também pode representar resistência e afirmação. Ao falá-la, cada indivíduo contribui para a construção de novos significados, evidenciando que a linguagem, como as próprias relações humanas, está em constante processo de transformação.

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