Salvador, BA, sábado, 6 de dezembro de 2014 – 1614: poucos meses após sua instalação no Maranhão, os franceses, liderados pelo capuchinho Frei Yves d’Evreux, foram informados da existência de um famoso “Tibira”, termo da língua tupi para descrever os índios homossexuais. Na época a sodomia era considerada pela Cristandade “o mais torpe, sujo e desonesto pecado”. E para evitar um temido castigo divino e aterrorizar eventuais futuros amantes do mesmo sexo, ordenaram os capuchinhos a captura e prisão do índio gay, que foi sumariamente julgado, batizado e condenado a morte. Estouraram o Tibira amarrado na boca de um canhão, ao pé do Forte de São Luís, caindo seu corpo estraçalhado na baía de São Marcos, “para limpar a nova conquista do abominável e nefando pecado de sodomia.” Tal execução, arbitrária e sem autorização do Papa ou da Inquisição, é detalhadamente descrita e justificada pelo missionário em seu livro História das coisas mais memoráveis acontecidas no Maranhão nos anos de 1613 e 1614, comparando o infeliz índio gay recém batizado com São Dimas, o bom ladrão perdoado por Jesus no Calvário.
Para celebrar o 4º Centenário dessa cruel execução, o GRUPO GAY DA BAHIA (GGB) escolheu 9 de dezembro, véspera do Dia Internacional dos Direitos Humanos, para o lançamento mundial da campanha pela canonização de São Tibira do Maranhão, primeiro mártir gay das Américas. Como estratégia, exige o pedido de perdão público por parte do Superior Geral da Ordem dos Capuchinhos de Roma por esse abuso fundamentalista, já que os missionários não tinham autoridade para condenar a morte os sodomitas (gays).
O GGB requer igualmente que o Governo do Maranhão e a Prefeitura de São Luis construam um monumento em homenagem ao mártir gay Tupinambá no mesmo local onde foi executado na boca de um canhão, na confluência da atual Rampa do Palácio com a Avenida Beira Mar.
Ainda visando resgatar a heroicidade do primeiro mártir gay indígena brasileiro, vítima da homofobia religiosa, o GGB enviou ofício à CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, solicitando formalmente que interceda junto ao Vaticano para a abertura de processo de canonização do Tibira do Maranhão, alegando o precedente do Bom Ladrão, que apesar de seu passado pecaminoso, Jesus o perdoou garantindo-lhe um lugar como santo no céu. O mesmo ocorreu com esse índio gay maranhense, que ao ser executado, como garantiu seu juiz e executor, o capuchinho Yves Évreux, “sua alma imortal foi levada pelos anjos ao Céu, pois morreu logo depois do batismo, certeza infalível da salvação daquele a quem Deus concedeu tal graça, tão rara como o arrependimento do bom ladrão na cruz, a quem Jesus prometeu: Hoje estarás comigo no Paraíso!”
O GGB conclama igualmente à FUNAI, Fundação Nacional do Índio e Associações de Povos Indígenas do Brasil para que encampem essa campanha para que a Igreja Católica eleve Tibira aos altares como mártir, já que foi executado devido à homofobia e ao etnocentrismo europeu-cristão, considerando que a homossexualidade masculina e feminina era fartamente praticada e respeitada entre todos nossos povos nativos, embora contemporaneamente seja discriminada, sobretudo nas aldeias e culturas que foram convertidas ao fundamentalismo cristão.
Com essa campanha, o Grupo Gay da Bahia pretende igualmente chamar a atenção para as execuções que continuam a vitimizar os homossexuais no Brasil contemporâneo: 50% dos assassinatos de lgbt do mundo ocorrem no nosso país, um “homocídio” a cada 28horas. Um total de 284 crimes homofóbicos somente neste ano.
No dia 9/12, 3ª feira, 18hs, no foyer da Biblioteca Central dos Barris o GGB fará o lançamento de dois livros: “São Tibira do Maranhão, 1614-2014, Índio Gay Mártir”, de autoria de Luiz Mott e do cordel “TIBIRA DO MARANHÃO: Santo Homossexual”, da cordelista e doutora da UFBa, Salete Maria.
Nessa esquina, na orla de S.Luís, local do futuro monumento ao Tibira, aí ele foi executado na boca de um canhão.( Foto: meramente ilustrativa, não corresponde a imagem original).